Um ano jubilar tingido de sangue

A principios de novembro de 2024, iniciou-se na Diocese de São Cristovão de Las Casas, México, um ano jubilar para recolher a herança de jTatic Samuel e dos grandes acontecimentos que marcaram o caminhar desta Igreja Particular. Num contexto de violência, de desplazamentos forçados, de um regueiro de desaparecidos e mortos, quis-se viver este ano para fortalecer as grandes opões da Diocese.

A diferentes níveis foram-se celebrando pré-congressos para reivindicar essa história de demandas e esperança. Recordou-se ao longo do ano: os 100 anos de jTatic Samuel, que durante os seus 40 anos de pastor reivindicou a dignidade dos Povos Originários; os 50 anos do Congresso Indígena donde há diferentes reclamações: da terra, da educação, da saúde, caminhos para facilitar o comércio dos produtos dos camponeses. Também se recorda os 15 anos da Mãe Terra, como uma experiência sempre viva nos nossos irmãos/as Indígenas.

Como recordava ao início é um ano de celebração, de escutar testemunhos, de atualizar compromissos num contexto diferente, de mobilizar-nos à volta do que mais preocupa a paz com justiça e dignidade, expressou-se com esta frase do Papa Francisco: “A Paz é um grito que merece ser escutado”.

Algumas das celebrações suspenderam-se dado o clima de violência e insegurança na fronteira com Guatemala e em muitos outros lugares do Estado. Quero trazer à memória o massacre  no município de Chicomuselo, textual: “O ponto mais álgido desta oleada de agressões chegou a 13 de maio, quando um comando de sicários irrompeu no tecido Nova Morelia e massacrou a 11 pessoas, das quais cinco são mulheres e seis são homens”. Noutra comunicação: “A Diocese de São Cristóvão de Las Casas assegurou que todos e cada um dos 11 assessinados com crueldade no passado 12 de maio na comunidade de Nova Morelia, município de Chicomuselo, nada tinham a ver com o crime organizado e que, “estas mulheres e homens se resistiam a deixar as suas casas apesar da violência, das ameaças e  hostigamento dos grupos criminais a somarem-se às suas filas”.

Ao ano jubilar lhe ficavam dois momentos importantes: a celebração do Congresso, que se realizou a princípios de outubro com a presença e participantes de toda a Diocese e a clausura do ano a 3 de novembro, data em que se recorda os 100 anos de jTatic Samuel.

O que não estava programado era o assessinato de Marcelo Pérez Pérez, a 20 de outubro. Sabíamos das ameaças, do preço que haviam posto à sua vida/morte, conhecemos o seu compromisso, a sua valentia, o seu profetismo. Marcelo tão pouco era ingênuo, sabía do perigo que corria, mas continuou, continuou… A sua vida estava ao serviço do povo, ao serviço dos pobres, dos indígenas, da Mãe Terra. Comprometeu-se com as grandes causas: a paz, a justiça, a dignidade, a defesa da vida, a defesa do território… Fê-lo a partir de pequenos gestos e dos seus compromissos na Diocese.

Quero agradecer por ter conhecido a Marcelo, ter partilhado na mesma Equipa Pastoral da Diocese, em Povo Crente. Admirei a sua coerência, o seu modo de ensinar, a sua proximidade, a sua simplicidade, a sua profunda fé em todo  o seu fazer e dizer. Eu não conheci a jTatic Samuel, mas ao chegar à Diocese fui lendo, fui penetrando no caminhar da Diocese, mas ao conhecer Marcelo comprendi que aí estava vivo o testemunho do grande pastor  jTatic Samuel.

Creio que a vida do padre Marcelo a temos que entender na corrente profética do AT e do grande Profeta Jesus de Nazaré. Nessa grande corrente de mártires da América Latina, que regaram com o seu sangue, o seu compromisso pela vida dos pobres e das grandes causas. Obrigada Marcelo, por uma vida fecunda e entregue, superando os medos e semeando esperança no teu caminhar.

 

Humbelina del Caño de Prado

Missionária Dominicana do Rosário

Vos convido a ver estes programas, serão a melhor classe de uma igreja em saída (que já viram):

https://www.youtube.com/watch?v=4F26ZadPPeo&t=654s Entrevista ao sacerdote indígena Marcelo Pérez Pérez.

https://www.youtube.com/watch?v=zmhChKk282A&t=1216s Sacro e Profano – O certeiro assessinato do sacerdote Marcelo Pérez (06/11/2024).

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